segunda-feira, 27 de setembro de 2010

HELP !!!


Help me if you can, I'm feeling down
And I do appreciate you being 'round.
Help me get my feet back on the ground,
Won't you please, please help me?

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

PEGOU NO TRANCO

Estaciono o carro na ladeira, pronto para descer. Em frente às duas igrejas. A casa continua lá, ainda pintada nas mesmas cores. Desço e coloco os óculos escuros. A casa está fechada, disseram-me que os proprietários estão viajando. A chuvarada passou de repente e saiu um belo sol contra o céu azul.

No portão dos fundos, de dentro do terreno, um garoto me observa curioso. Deve ter pulado a cerca para roubar butiá, da para ver daqui que tem um cacho amadurecendo. Vou descendo a ladeira com cuidado para não escorregar no terreno enlameado.

O poço novo esta lá, atrás do balanço, no qual o garoto agora se diverte. Disseram-me que o poço velho foi aterrado. Contorno a esquina bem devagar, as hortênsias estão floridas, quase alcançando o corrimão da varanda. O garoto vem correndo e abre o portão da frente. Do bolso traseiro pende o elástico de uma atiradeira – que lá chamam de cetra – os bolsos estão estufados de pedras e butiás quase maduros.

A chuva que caiu torrencial trouxe das colinas a água que corre pelas valas na lateral da rua. A água é limpa, muito limpa. A vala é cortada em uma argila rija amarela. O garoto molda grandes nacos de argila e com eles vai ligando pedras e cacos de tijolos formando uma pequena barragem. Ele faz naquilo bem feito.

A casa está realmente toda fechada. Arrisco entrar. Passo vagarosamente entre os canteiros cercados por tijolos. Caminho até o pé de butiá e colho alguns maduros. O gosto característico já meio esquecido estimula o paladar e a memória. Sento um pouco no balanço. Olho os grandes eucaliptos do Grupo Escolar. O Grupo está fechado, é mês de férias. Contorno a casa. Do outro lado nem sinal do poço velho. Realmente foi fechado. A árvore está lá, linda e frondosa como sempre. Amiga e acolhedora.

O garoto aparece e me olha cúmplice. Pula, agarra um galho mais baixo, balança o corpo, apóia o pé numa forquilha e sobe. Num instante alcança galhos mais altos.

A árvore agora está mais alta que a casa. Imito o garoto e subo também. O mocassim novo, já sujo de lama, recebe mais uma cicatriz. Procuro um galho confortável. As sementes nascem em cachos que brotam dos galhos. Arranco um e começo a girar a bolinha dura e verde escura entre meus dedos. O garoto lá em cima mexe-se e olha-me reprovador. Aquelas bolinhas devem ser venenosas. Aquilo é uma arvore de bolinhas. Vou desfazendo o cacho e atirando uma a uma as sementes no terreno baldio vizinho.

Desço da árvore e vou andando em direção ao portão. Nuvens escuras aparecem lá para o lado do chovedor e anunciam que vem mais água por aí. Caminho lentamente para o lado do Grupo Escolar. As janelas estão fechadas. Nas paredes claras algumas manchas da cor da argila da vala. Em alguns dos retângulos da janela o vidro fino está quebrado. É sempre um pequeno orifício, redondo e bem recortado.

O garoto está ao meu lado e olha com um sorriso maroto. O povoado esta deserto, ninguém na rua. Como se adivinhasse meu pensamento, ele me estende a cetra e um butiá verde. Meu tiro sai certeiro, e abre um pequeno orifício, redondo e bem recortado na janela do Grupo.

Na valeta o tanque do garoto ficou pronto. Por um pequeno vertedouro no topo, a água escorre e move uma pequena roda de madeira, como se fosse um moinho.

Começa a chover de novo. Dirijo-me lentamente para o carro. Lá atrás, antes de desaparecer no terreno baldio, o garoto acena sorridente e faz um sinal de positivo com o polegar para o alto.

Subo no carro, solto o freio de mão, olho mais uma vez para a casa e vou descendo lentamente a ladeira. Como se não quisesse acordar as pessoas naquele sonho. Lembro que ainda estou de óculos escuros. Tiro os óculos, enxugo as lágrimas, engreno uma segunda e a vida pega de novo, no tranco...

Jose Carlos Filizola

Morro Azul, 13 de outubro de 2001

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A FOTO



Lá vão os dois atravessando a avenida. Ele veste um bermudão escuro que acentua as pernas muito finas e os pelos enrolados em pequeninos caracóis. Camisa comprida e larga, de mangas curtas, aberta na frente. Ela usa uma saia curta preta e amassada. A blusa de malha floreada mal cobre os seios já meio caídos apesar da pouca idade. Cabelo manchado e maltratado. Parece que dormiram sob alguma marquise ou banco de praça. Riem, estão felizes.

Enquanto observo a dupla já chequei a câmera e componho mentalmente algumas possibilidades. A luz já esta muito dura, a manhã encaminha-se para o final, nada se encaixa. Desisto.

Ela vem na minha direção, me olha nos olhos e diz:

Tira uma foto minha...

A voz é macia e suave, meio lânguida. Não é um pedido, não é uma ordem. É uma necessidade de afirmação, de aparecer talvez... Não, na verdade é um convite...

Claro, respondo já me virando com a câmera pronta.

Enquanto rapidamente ajeito o corte para um retrato, percebo com o outro olho o preparativo da pose. Ela empina a bunda para trás e o tecido grosseiro da saia sobe junto formando um bico. Desentorta a coluna e respira fundo. Os seios crescem, enchem a blusa e ficam bonitos... Os olhos semicerrados os lábios entreabrem e umedecem sensualmente... Fundo ruim, gente passando, tento tirar o que não é ela... O importante é aquela expressão aquele olhar! Disparo.

Endireito meu corpo automaticamente e fico esperando o tradicional agradecimento. E nada, ela está parada. Começo a andar devagar, também meio sem saber o que fazer, então me volto para agradecer aquele momento mágico, aquele nosso flerte relâmpago. Ela ainda me olha meio embevecida, meio largada, solta e feliz. Faço um sinal com o polegar para cima. Ela vira a cabecinha, como na foto, e coquete me fala, meio abafada pelo vento sudoeste que começa a entrar.

Guarda de recordação tá bom...

Guardo sim minha querida musa, guardo sim.

Jose Carlos Filizola, abril de 2005

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Chaves e portas



Não se preocupe com as chaves, encontre as portas

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

ALIENIGENA MIMETICO

Você conta que vai para praia fim de semana. Ah! Vai com aquele motoqueiro horroroso. Ta bom. O que você não sabe ainda, é que eu também vou.

Mago e bruxo, alienígena multifacetado, mimético, pluri mórfico
e amorfo, multi cromático, andrógino quando convém, poeta e fotógrafo, espadachim e metafísico... Vou junto sem ser notado.

Num estalar de dedos transformo-me num ser de fibras finas e macias, adoto cores vivas, amarelo, azul e toques de um forte laranja, pronto sou um belo tecido e me incorporo em uma magnífica canga que você enrola na cintura num nó caprichoso. Visto teu corpo por cima do biquíni branco, aperto tua cintura, envolvo teus quadris com suavidade e roço tuas coxas sem cessar enquanto caminhas.

Estamos na moto enfim, e agora, numa mágica total e com uma graça sem par, sou a canga e o vento, represento um dos meus inúmeros papéis múltiplos que já levaram o público ao delírio mais de uma vez. Agora sou um vento meio passivo que vou despertando com a velocidade da máquina. Acaricio teus cabelos, fundo-me com
a canga e a faço drapejar. Consigo soltar-me um pouco e alcanço a parte alta de tua coxa esquerda. Acaricio-te nas curvas para direita e me afasto um pouco, só para te dar saudades, nas curvas para a esquerda. Subo por teus braços nus e enfuno por trás, a
tua camiseta branca, deslizo por tuas costas como uma cachoeira ao contrário e sopro tua nuca. Você se arrepia.

Chegamos na praia.Você está feliz. Tira a camiseta e me remove com cuidado. Com teus pés macios faz um montinho de areia. De repente, num processo de pura metamorfose quântica, me transformo em grãos de areia, sou eu que penetro pelos vãos de teus dedos, que faço cócegas nas plantas de teus pés. Agora numa cambalhota sensacional me incorporo de novo na canga, me estendo sobre mim mesmo, enquanto areia, e espero teu corpo. Você senta sobre minhas múltiplas formas e se ajeita. Conversa animada com os amigos enquanto eu continuo ventando no teu rosto e revolvendo teus cabelos, agora faço três papeis.

Deitas de costas, se ajeita outra vez e me esmaga. Sinto teu corpo e me deformo toda, meus grãos se acertam acomodam-se às tuas curvas perfeitas. Às vezes sinto uma vontade imensa de te envolver, incorporo o vento que me sopra. Como canga, levanto-me de mim como areia e me enrosco em tuas coxas roliças. Você me acaricia e acomoda-me sobre a areia de novo. Você já percebeu minha presença múltipla, despertei tua bruxa. Agora você sabe que essa loucura toda só podia ser obra minha.

Incorporo um quarto papel, sou o sol agora, aqueço-te e escureço tua melanina fazendo-te mais morena e dourada. O eu vento me ajuda, ele sopra e eu pico teu corpo com meus raios fulminantes, te deixamos feliz, pois esse contraste de calor e frescor te encanta que eu sei. De repente pensas na camada de ozônio que esta indo embora, uma ruguinha aparece no teu rosto. Discreto, procuro uma nuvem, escondo-me um pouco.

Sintetizo-me, viro teu suor começo escorrer vagarosamente por teu corpo. Tua perna toca na areia, eu me grudo em mim mesmo. Uma mancha branca na pele morena. Marco você, como uma mordida.

Você levanta e entra no mar, concentro-me numa das minhas melhores performances, penetro tuas locas, tuas tocas, e fendas. Limpo meus papeis anteriores... Não sou mais nada, sou só água agora, água viva e louca. Arrebento-me em ondas, envolvo teu corpo, minha espuma te cobre... Você agora é toda minha... Você nada dentro de mim, te possuo inteira... Escorro por todo teu corpo numa caricia impossível de ser igualada, leve, mas total, completa, móvel, inteira e insistente. Firme e amorosa.

Quando você sai, o vento e o sol enciumadíssimos me expulsam do teu corpo... Ah eles não conseguem remover o meu sal, agora sou teu gosto.

Volta para a canga deita e de bruços abraça o montinho de areia. Eu me amoldo ao teu colo, me amoldo ao teu corpo, você se aconchega. A praia esta mais vazia agora, o sol mais manso, o vento mais calmo. Agora somos só nós dois você e a terra.

Agora leia tudo de novo, com atenção e procure sentir tudo na pele.

Confesse... a praia nunca mais será a mesma.

Jose Carlos Filizola

Rio, outubro 2002